A manhã estava perfeita: Dia claro. Sol brilhante e acolhedor. A mulher com quem dormira; deixara um recado safadinho sobre a mesa (junto com um delicioso café) indicando sua satisfação. E era seu primeiro dia no novo cargo executivo. O que poderia ser melhor? – “Só mesmo ganhar na loteria”. – Pensou.
Estava tão distraído em seus pensamentos que nem notou que o sinal estava aberto e atravessou a avenida movimentada assim mesmo. Um caminhão só não o matou, porque um homem enorme de óculos grossos o agarrou pelos ombros e, como se ele fosse feito de papel, o trouxe de volta a calçada. Seu coração batia tão forte, que podia senti-lo no alto da cabeça. A boca estava seca e uma sensação agonizante tomou conta dele quase que imediatamente. Olhou em volta para a multidão que se aglomerava, procurando aquele salvador. Nada. Ele havia sumido.
Já refeito e mais calmo, continuou sua caminhada rumo ao escritório. Com o quase atropelamento; estava atrasado. Resolveu, então, cortar caminho pelo centro velho. Era mais rápido e menos movimentado. Não queria ver outro caminhão tão cedo naquele dia. Fora uma sorte o estranho aparecer para salvá-lo. Virou a esquina do beco repleto de casarios antigos; alguns com mais de dois séculos de existência, quando notou um grupo de adolescentes mal encarados sentados pela rua. Apressou o passo, recriminando-se por ter resolvido atravessar aquela parte deserta da cidade. Como estava bem vestido e com algumas jóias, era presa certa para malfeitores e vagabundos de plantão. Aquele dia maravilhoso estava se tornando um verdadeiro martírio.
Apesar de sua mente exigir que não o fizesse, ele olhou para trás, na direção dos adolescentes. Sentindo seu medo, como se fossem predadores selvagens, o bando ergueu-se e, rapidamente, estavam em seu encalço. Desesperado e antevendo um assalto, apressou o passo e tentou escapar do grupo. Mas, já era tarde. Foi alcançado e, de armas em punho, os meliantes exigiam suas posses. Tentou reagir, mas um dos garotos sacou uma faca e ia desferir um golpe mortal em seu pescoço… Daí pra frente, foi tudo muito rápido.
Um vulto alto e vestido um casaco grosso e escuro, apesar do calor, saltou sobre o bando vindo “do nada”. Com uma habilidade sobre-humana; lutou, desarmou e pôs para correr todo o bando. Desferindo golpes certeiros e eficientes que deslocavam membros, quebravam ossos e criavam imensos hematomas nos atacantes. Com uma fúria mortal nos olhos negros e duros como o aço, lá estava ele: O homem de óculos grossos.
Levantou-se, limpou a sujeira da rua. Voltou-se para agradecer àquele homem guerreiro e competente que, pela segunda vez, salvara sua vida. Mas, como da outra vez, ele simplesmente desaparecera no ar. Era impossível que tenha corrido. Ele ouviria os passos pesados pelo calçamento. Afinal, era um homem grande; deveria ter quase dois metros e devia ser bem pesado. No entanto, lutava com profunda agilidade e maestria. Um verdadeiro mestre de Kung Fu daqueles filmes antigos.
Saiu dali rapidamente, antes que o bando voltasse. Enquanto caminhava, pensava que o estranho homem, só poderia ser de outro mundo. Talvez um anjo da guarda, um espírito protetor ou uma alma perdida buscando ajudar os outros em troca da redenção. A verdade era que aquela segunda intervenção; afastava completamente qualquer alegação de coincidência. Chegara a rua onde trabalhava; a portaria do prédio estava a vista. Em breve, estaria seguro em seu confortável escritório e aquele amontoado de acasos estúpido acabaria. De repente, alguém gritou atrás dele: “Cuidado!”
Ele virou-se assustado, ainda a tempo de ver um homem avançar em sua direção com um revólver engatilhado: Era um dos assaltantes. Ele voltara para vingar-se. O medo tomou conta dele tão rapidamente que nem sequer conseguiu gritar. Ficou ali, congelado e estático. Tudo a sua volta parecia andar em câmera lenta. Os sons eram como ruídos distantes e sem definição. Um átimo de segundo; desenrolava-se para ele como uma eternidade viscosa e indefinida.
Viu o brilho do disparo brotar lentamente no caso na arma; ao mesmo tempo, fechou os olhos instintivamente aguardando o impacto da bala. Uma sombra negra cobriu a luminosidade a sua frente e fez com que abrisse os olhos. Agora, as coisas andavam em sua velocidade normal. O meliante jazia a sua frente numa poça de sangue e a seu lado, de pé, lá estava o seu super-herói salvador: O homem com os óculos grossos. Ele o viu apenas por uns instantes. Num piscar de olhos, a incrível figura desapareceu tão misteriosamente como aparecera. A polícia chegou, juntamente com os seguranças do seu prédio, que tudo viram. Todos o cumprimentavam pela coragem e treinamento exemplares do seu guarda-costas. O homem aparentemente havia saltado no momento do tiro, interceptando a trajetória da bala e matara o agressor. Para fugir do flagrante, evadira-se. Os policiais o levaram a delegacia e queriam saber o paradeiro do guarda-costas. Ficaram perplexos ao saberem que ele sequer conhecia o estranho homem. Apesar de terem o colocado em liberdade, sentia que estava sendo seguido. Eles não acreditaram no que ele disse. Mas, afinal, quem acreditaria?
Cada vez mais, ele estava convencido de que, o homem com os óculos grossos, era um personagem divino. Um anjo enviado para protegê-lo. A viatura policial o acompanhou de longe até sua casa. Estava cansado e aborrecido com tudo o que acontecia e, principalmente, com a incógnita daquele personagem estranho e poderoso. Tomou uma ducha, preparou um chá e sentou-se em sua poltrona favorita. Adormeceu.
Acordou suando e com dificuldades para respirar. “Depois daquilo tudo, só faltava morrer do coração!” – Pensou – Levantou-se e foi até o banheiro jogar uma água no rosto. Quando voltou a sala, quase teve um infarto. Sentado no sofá, lá estava ele: O homem com os óculos grossos. Finalmente chegara a hora da verdade. Iria saber o que estava acontecendo e sua verdadeira identidade.
O homem com o olhar de aço e gelo, permanecia calado, e apenas o entregou uma carta. O executivo começou a agradecer por tudo o que ele havia feito naquele dia e por todas as vezes que salvara sua vida. O que poderia fazer para retribuir? Quem era ele? Por que o ajudara? Tinha algo que desejasse?
O estranho apenas insistiu: “Leia a carta antes”. Sua voz era poderosa e incisiva.
Ele leu atentamente e, enquanto o fazia, seu rosto se contorcia em uma expressão de horror e incredulidade. Olhou novamente para o homem de óculos, e este apontava uma arma com silenciador para ele. Antes que ouvisse o estampido abafado e o projétil rasgasse seu cérebro, o executivo teve a resposta que desejava:
“Fui contratado para matá-lo após você ler esta carta do meu contratante. Se você morresse de outra forma, eu não seria pago